A arte de dividir um quarto com outras pessoas é um ensinamento transmitido através de gerações, aperfeiçoado com o tempo e dominado por poucos.
Quando eu era criança, até os 16, 17 anos, dividi quarto com a minha irmã. Eu achava meio chato não ter meu próprio espaço, nem mesmo quando eu apenas queria bater a porta na cara de alguém. Mas como eu vivi assim por anos, fui me acostumando a estabelecer horários e regras veladas para que uma não atrapalhasse a outra, como, por exemplo, quando eu comecei a estudar de manhã. Eu desligava o despertador rapidinho, levava meu uniforme já separado pro banheiro e não entrava mais no quarto. Quando a minha irmã começou a roncar algumas noites, um arremesso certeiro de travesseiro resolvia a questão. Fomos felizes assim e não nos matamos até hoje.
Acontece que há seres humanos que ainda não ouviram falar em Contrato Social, Estado de Natureza, Direto Natural, etc. Um belo dia, no ido século XVI, Hobbes escreveu no seu livrinho que as pessoas tiveram que estabelecer um contrato social para viver, tcharãããm, em sociedade e pararem de matar umas às outras. São as famosas leis que regem o nosso dia-a-dia, que nos impedem de fazer a nossa vontade, acima de todas as coisas.
Esclarecido isso, repito que algumas pessoas, depois de milhares de anos passados do surgimento das grandes civilizações, de todo o direito romano ter sido desenvolvido, de tantos códigos de ética terem sido elaborados, te tantas conferências internacionais de direitos humanos terem sido organizadas e assinadas, ainda insistem em viver numa anomia irritante. Não estou nem falando dos estrupadores, ladrões de galinha, políticos corruptos ou bêbados no volante. É algo mais fundamental: a boa educação. E aqui eu volto à questão do quarto:
Nos dois últimos fins-de-semana tive que dividir quarto, em duas viagens distintas. Na primeira, nós éramos 6 moços e moças em 2 triliches (cama, bicama, beliche). Por mim, sexo, cor, religião, tanto faz. Pode até gostar de pagode, eu divido o quarto com você. Só não vale avacalhar na convivência. Uma bela noite eu fui pegar algo no quarto e reparei que alguém tinha deixado NADA MAIS, NADA MENOS do que a toalha molhada em cima da minha cama. Fui perguntando a um por um dos meus coleguinhas se a ele pertencia a toalha salmon. Descobri que era da menininha da turma, uma tanajura que faz chapinha em sítio e usa bota pata-de-bode. Além do esculacho que eu dei nela, já que minha cama ficou úmida, ainda passei as regras de convivência do quarto pra ela, como fechar a porta sempre, pra não entrar bicho. Mas a aprendiz de Mulher Melancia não conseguiu fazer a interface entre Tico e Teco e, depois da balada, chegou de madrugada no quarto, quando alguns (eu) já estavam dormindo e entrou e saiu 200 vezes do banheiro, que, vale lembrar, tinha uma porta que rangia muito. Ela foi fazer xixi, entrou e saiu. Foi escovar os dentes, entrou e saiu. Esqueceu o cérebro e foi buscar, entrou e saiu. Cacete! É tão difícil fazer silêncio?
Já no fim-de-semana passado, o drama foi dividir quarto com outras 3 mulheres, todas acima dos 23 anos, eu presumo. Se tem alguém que poderia ter sido infantil na situação, sou eu. Primeiro que nós chegamos à 1:30 da manhã no lugar. Eu já tinha capotado no carro e só queria saber de cama. Mas a turma ogra chegou com fome e ainda foi comer pizza. Conclusão: eu fui pro quarto sem comer, arrumei a cama e tentei dormir, enquanto o Encontro Anual de Gazelas, Quero-Queros e Hienas acontecia no andar de baixo. Lóóóógico que ninguém se preocupou em arrumar a cama antes de se entopir de muçarela. Então o óbvio acontece: eu fui dormir no mesmo horário que as lindonas, às 3 da manhã, não antes de me revolver debaixo das cobertas enquanto elas arrastavam cama, beliche, abriam armário, sacodiam cobertor, abriam a necessaire (ODEEEEEEEEIO barulho de zíper e saquinho plástico quando eu to tentando dormir)... Ao invés de fazer tudo isso na maior discrição, as queridonas ficaram papeando! Parece que eram proibidas de conversar o dia todo! E não só nesse momento: todos os dias, antes de dormir, era aquele papo suuuper interessante da opinião delas sobre o filme Um Amor pra Recordar (IUUUUC MASTER) ou se o namorado tal ligou. Mas ainda pior, minha gente, elas conversavam ao acordar!! Sim!! Quando uma acordava, levantava e ia fazer xixi/tomar banho/passar Embelleze nos cachos, as outras começavam a conversar. Mas não era sussurro. Era conversa mesmo, num tom de voz que você conversa na balada, enquanto o DJ deixa todo mundo surdo.
Ah, fora que uma das fias ainda jogou suas roupas em cima da minha mala. Compra uma pra ti, benhê!
Eu fiquei invisível e não tô sabendo. As pessoas ignoram meu sono e meu espaço solenemente. Sem contar que, nos dois casos, uma sinfonia de britadeiras tomou conta dos quartos. Gentem, ronco TEM cura. Meu pai fez a tal cirurgia, o seguro pagou e minha mãe recuperou a alegria de viver. Outro apelo: o box do banheiro não é piscina! E seus cabelos não são enfeite na tampa da privada! E pasta de dente que gruda na pia sai se você passar uma água! Juro, é fácil assim.
A quem estiver disposto a se converter às boas maneiras, eu me comprometo a enviar uma brochura ilustrada. Autografada.
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