sábado, 22 de novembro de 2008

Lembrancinhas

O feriado não serviu pra descansar. Foi só pra ficar no batente doméstico, na casa dos meus pais, aqui no interior.

Sexta-feira foi o dia da faxina. Desde que eu tenho o meu próprio quarto nesta casa (2003), ele nunca foi realmente utilizado. O que significa que ele também nunca foi decorado ou mobiliado, sequer. É importante dizer que desde aquele ano eu moro fora de casa, seja devido ao intercâmbio do colegial ou à faculdade em Sampa City. Então o meu quarto, que não é feio nem nada, ficou aos cuidados da minha família, que foi ajeitando ao próprio gosto, já que virou uma espécie de depósito de roupas da minha irmã e de móveis obsoletos para o resto da casa. Assim, o meu quarto tem uma "decoração" esquizofrênica, não podendo ser chamado, portanto, de aconchegante.

Para piorar, eu realmente acumulei tralha durante os últimos anos da minha vida. Com os dois intercâmbios feitos nos últimos anos (o segundo foi no ano passado), consegui a façanha de juntar as mais diversas lembrancinhas de cada viagem, cada país, cada festa. Minhas malas de viagem sempre voltam abarrotadas de porcarias como porta-copos de cerveja, postais, souvenirs, pedacinhos de objetos, papéis rabiscados, etc. Mesmo que as lembraças não sejam tão duradouras, essas porcariazinhas ficam lá no canto, acumulando pó, ocupando espaço. Mas não pense que eu sou apegada às minhas coisas. Se tem uma coisa que as minhas frequêntes mudanças de endereço me ensinaram foi a prática de jogar as inutilidades fora e passar pra frente aquilo que ainda pode ser aproveitado, como roupas, material escolar ou enfeitinhos. Eu faço uma "catação" de coisas umas três vezes por ano. Mas nessa última vez foi pra valer. Não aguentava mais ver tanta tralha acumulada no meu quarto, dividindo espaço com os sapatos da minha irmã e as roupas passadas da família toda. Eu resolvi me dar um quarto gostosinho pra quando viesse visitar a minha família.

Foi cansativo. Fiquei das 11 às 21 hs arrumando o meu canto. Joguei toneladas de papel fora (no lixo reciclável, ok? O que dava pra aproveitar foi pro rascunho.) e comi muito pó, pra alegria da minha rinite. Enchi uma mala de roupas, outra de sapatos. Tirei todas as coisas que não me pertenciam do lugar, menos os sapatos da minha irmã, já que ela foi irredutível. Coloquei mais fotos bacanas no meu mural. Pendurei um móbile liiiindo que eu havia comprado em Barcelona em fevereiro e que ainda não tinha saído da embalagem. Também reinstalei outro móbile fofíssimo de Buenos Aires que enfeitava meu antigo apê em São Paulo. Dividi minhas bijuterias (e joia, no singular) em caixinhas e coloquei uma toalhinha de patchwork em cima da cômoda. Arrastei a minha cama em direção à parede e fiquei com apenas um criado-mudo. Arrumei minhas roupas em ordem cromológica pra fingir que eu sou organizada. Separei todos os meus livros e coloquei num armário em outro quarto. Pedi pra minha mãe de Natal duas prateleiras brancas pra trazer os tais livros de volta pro meu quarto, para eu poder apreciá-los na hora que quiser. Coloquei cada CD em sua devida caixa. Me emputeci quando não achei a caixa ou o CD correspondete. Culpei a minha irmã e acabei achando a trilha sonora do Bridget Jones II. Por fim, guardei as minhas cartas no lugar especial delas. Dessas eu não me desfaço nunca!

Foi nesse momento de reler as cartas que eu acabei tirando da poeira uma amizade muito querida e que foi deixada por mim num canto, esquecida, entre sandálias-plataforma e canetas que não pegam mais. Reencontrei no meio da bagunça a minha amiga Jana, da África do Sul. Foi surpreendente ver a quantidade de cartas que ela havia me enviado. Todas muito lindas! O incrível é que quando nos conhecemos, na Alemanha, tivemos muito pouco contato. Saímos algumas vezes, mas a estadia dela foi breve. Trocamos e-mails e endereços e continuamos a nos falar, dessa vez de uma maneira muito mais profunda e frequente. Posso dizer com convicção que a conheço melhor pela escrita do que pessoalmente. Suas cartas vinham sempre acompanhadas de um cartão-postal, algum desenho, caligrafia impecável, fotos dela na fazenda de sua mãe e textos deliciosos de ler, num inglês tão perfeito, misturando toques de Afrikaans, sua segunda língua materna. Quando Jana se mudou para os EUA, para continuar seu trabalho como missionária e ativista de causas humanitárias, perdemos o contato. Não sei quem foi a última a escrever e se a culpa do fim da troca de cartas foi nossa ou de um extravio nos Correios. Sei apenas que paramos de nos falar e que isso me fez falta. Não percebi que sentia saudades até ontem.

Portanto, arrumei meu quarto e tive um bônus. Estou escrevendo, ou melhor, preparando uma carta para Jana. Preciso primeiro descobrir se o endereço dela continua o mesmo. Afinal de contas, se ela for como eu, com seu nomadismo vai acumular muito pó, por sua vez na caixa de correio.

Um comentário:

Tio Xavier™ 4.5 Plus disse...

Móbiles. Não sei a razão, mas tenho muito medo deles. Talvez eu tenha assistido a algum filme chamado "móbiles assassinos".